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Em oficina da RESP, Opas apresenta novas agendas para fortalecer sistemas de saúde na América Latina

Por Danielle Monteiro e Julia Da Matta

A conferência 'Funções Essenciais da Saúde Pública e Redes Integradas de Serviços de Saúde: Novas Perspectivas', realizada na manhã de 24 de novembro, na ENSP/Fiocruz, abriu os trabalhos da Oficina Escolas e Centros Formadores de Saúde Pública na América Latina e os Sistemas de Saúde baseados na Atenção Primária (APS). Promovida pela Rede de Escolas e Centros Formadores de Saúde Pública da América Latina (RESP-AL) e contanto com dois dias de atividades, a oficina reuniu representantes de instituições de ensino e pesquisa de diversos países latino-americanos para discutir desafios comuns, fortalecer a cooperação regional e aprofundar o papel das escolas de saúde pública na consolidação de sistemas orientados pela APS.

A conferência de abertura, conduzida por Ernesto Báscolo, chefe da Unidade de Atenção Primária e Organização da Rede de Serviços do Departamento de Sistemas e Serviços de Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), foi coorganizada pela RESP-AL, em parceria com o Centro Colaborador da Opas/OMS para Formação e Desenvolvimento Estratégico para Sistemas de Saúde com Ênfase em APS (ENSP/Fiocruz) e o Observatório do SUS (ENSP/Fiocruz).

Na cerimônia de abertura, Marco Menezes, diretor da ENSP, ressaltou que a RESP empenha um importante papel na formação de sanitaristas. Ele frisou que a oficina traz três pontos centrais para o debate: a atuação das Escolas e dos centros formadores, o trabalho integrado e em rede como ação estratégica e o enfoque na Atenção Primária. Menezes também alertou para a importância da convergência entre os temas dos sistemas de saúde, da emergência climática, da crise hídrica e da insegurança alimentar no contexto da formação de sanitaristas. Ele atentou, ainda, para os inúmeros desafios dos países da América Latina diante de uma conjuntura que demanda maior articulação e fortalecimento dos sistemas de saúde. “Reafirmo a posição histórica da ENSP e da Fiocruz na defesa dos sistemas públicos de saúde e da cooperação multilateral e solidária entre os países e os povos, além da necessária articulação e do papel estratégico que a RESP cumpre nesse cenário”, declarou. 

Representante da Vice-Presidência de Saúde Global e Relações Internacionais da Fiocruz, Pedro Burger reforçou o compromisso institucional com a cooperação estruturante em rede e o enfoque no fortalecimento dos sistemas de saúde para a ampliação do acesso, a redução das iniquidades e a melhoria das condições de vida das populações. Ele defendeu a formação de profissionais de saúde direcionada às reais necessidades dos sistemas, além do fortalecimento das redes e a troca de experiências entre as Escolas e os centros formadores: “É fundamental que as instituições estejam fortalecidas por redes que possam apoiar e promover o trabalho conjunto em prol da saúde pública e da melhoria das condições de vida das populações”.

Representante da Organização Pan-Americana da Saúde, Hernán Rodríguez destacou que o evento dialoga com os eixos de atuação da ENSP enquanto Centro Colaborador da Opas/OMS em Formação e Desenvolvimento Estratégico para Sistemas de Saúde com ênfase em Atenção Primária. Segundo ele, o encontro contribui para a compreensão coletiva sobre as necessidades e prioridades da América Latina, cujos sistemas de saúde enfrentam desafios comuns, como escassez da força de trabalho, desigualdades sociais profundas e vulnerabilidades de grupos populacionais. “As Escolas de Saúde Pública têm um papel estratégico na formação de quadros técnicos, na produção de conhecimento, no apoio a reformas orientadas pela Atenção Primária e no desenvolvimento de competências para a governança das redes de atenção”, afirmou. Ele também reforçou o compromisso da Organização em acompanhar, apoiar e facilitar a articulação regional, além de fortalecer as capacidades institucionais, ampliar a cooperação e dar suporte à formação necessária para um avanço rumo à saúde universal. 

Vice-diretor da Escola de Governo em Saúde da ENSP, Eduardo Melo celebrou o reencontro presencial da RESP, após mais de seis anos sem atividades presenciais, e destacou a participação de representantes de diversos países latino-americanos. Ele ressaltou o papel estratégico dos webinários promovidos nos últimos anos, que ampliaram temas e vozes dentro da Rede, e adiantou que, ao longo da oficina, serão retomados dois eixos estruturantes do trabalho recente da RESP: o processo de diagnóstico das Escolas de Saúde Pública da América Latina e a análise das capacidades formativas para a Atenção Primária.

Eduardo anunciou, ainda, o lançamento do primeiro boletim da RESP, apresentado oficialmente durante o evento. Reunindo análises sobre direito à saúde, migração e Atenção Primária, entrevistas e sínteses dos webinários regionais e das atividades realizadas entre 2024 e 2025, a publicação marca uma nova etapa no trabalho coletivo da Rede. Acesse o boletim aqui.

Por fim, a representante da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC) da Fiocruz, Enirtes Caetano, ressaltou que a Fundação está empenhada no movimento em prol do fortalecimento das ações de pesquisa, de formação e de cooperação, para debater ferramentas essenciais em busca da consolidação de estratégias que ajudem os sistemas de saúde a enfrentarem as necessidades reais das populações das diversas localidades. “A educação é uma ação institucional capilarizada em todo o Brasil. As cooperações com países da África e América Latina têm sido fundamentais e a Fundação enxerga a formação e colaborações como elementos essenciais”, finalizou. 

 

Funções Essenciais e Redes Integradas de Serviços de Saúde

As novas agendas de Funções Essenciais da Saúde Pública e de Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS) foram os destaques da conferência ministrada por Ernesto Báscolo. Em sua apresentação, intitulada 'Funções Essenciais da Saúde Pública e Redes Integradas de Serviços de Saúde: Novas Perspectivas', Báscolo apresentou os novos marcos propostos pela Opas rumo à saúde universal e discutiu as principais barreiras que ainda limitam o acesso e a organização dos serviços na região. As Funções Essenciais foram destacadas como um conjunto de capacidades fundamentais das autoridades sanitárias para fortalecer os sistemas de saúde e garantir o direito à saúde.

Ao apresentar o Marco de Referência para a Transformação dos Sistemas de Saúde rumo à Saúde Universal, desenvolvido pela Opas, Báscolo destacou o financiamento como um dos principais desafios impostos à saúde na América Latina: “A região é caracterizada por sistemas de saúde fragmentados, com uma arquitetura institucional de modelos de financiamento que, por vezes, não se articulam com a capacidade do Estado de assegurar recursos em conformidade com as suas necessidades. É importante que haja recursos suficientes, mas é também necessária a organização destes mecanismos institucionais”.  

Báscolo ressaltou que o acesso com qualidade é decisivo para o alcance da saúde universal. Ele também salientou a necessidade de identificar as diferentes barreiras nessa esfera da Atenção Primária, analisando como elas operam para distintos grupos sociais e de que forma é possível orientar, reformar e fortalecer a APS, a fim de reconhecer obstáculos que afetam especialmente os determinantes sociais da população e as condições de iniquidade”. Segundo ele, o caminho para a saúde universal com qualidade perpassa por mudanças regulatórias e ligadas a normas sociais e culturais.

Com base em um estudo recente da Opas que mapeou os desafios nos serviços de saúde na América Latina, o palestrante destacou que as condições sociais exercem forte influência sobre a capacidade da população de acessar e utilizar esses serviços. Ele reforçou, ainda, que, na análise de barreiras nos serviços, existe um importante indicador que não pode ser deixado de lado: as internações evitáveis. “Uma em cada cinco hospitalizações em oito países analisados indica que é possível a redução de internações, o que implicaria não somente na diminuição de custos, mas também na maior eficiência do sistema, além de forte impacto em termos de equidade”, afirmou.

Estudos recentes, também apresentados pelo palestrante, concluíram que, apesar de avanços na cobertura e do aumento do financiamento público, persistem, na região, desafios como desproteção financeira com impacto sobre iniquidades, barreiras organizacionais e financeiras ao acesso integral e equitativo, além de brechas nas capacidades subnacionais de gestão do acesso integral e integrado em territórios. 

Báscolo frisou que, na nova agenda das Funções Essenciais da Saúde Pública, essas competências são entendidas não apenas como intervenções coletivas que devem ter prioridade sobre as individuais, mas também como capacidades institucionais críticas que envolvem o Estado, a saúde pública e outros atores em todas as esferas. Segundo ele, essa atuação deve abranger tanto os fatores de risco que afetam as condições de saúde quanto os determinantes sociais, com o objetivo de garantir o direito à saúde. No novo Marco, são quatro as principais Funções Essenciais da Saúde Pública: a avaliação, o acesso, o desenvolvimento de políticas e a distribuição de recursos. 

O palestrante contou que as barreiras no acesso aos serviços de saúde motivaram a renovação da agenda das Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS), que agora se organiza em quatro eixos integrados: assistência e cuidados em saúde, programas focados em doenças específicas, intervenções em saúde pública no provimento de serviços da Atenção Primária e ações intersetoriais e políticas para abordar os determinantes sociais. Entre as inovações do novo Marco das Redes Integradas de Serviços de Saúde, o palestrante citou a incorporação do tema da transformação digital, incluindo a inteligência artificial, além da elaboração de diretrizes voltadas para os sistemas de saúde, e não apenas para a organização dos serviços. 

Báscolo adiantou, ainda, que a recém-lançada Rede Impulsora das RISS, da qual a Fiocruz participa, vai incorporar a nova agenda. A iniciativa tem como objetivo promover e fortalecer a integração dos sistemas de saúde nos países da América Latina, alinhando-se à abordagem da Atenção Primária à Saúde. 

 

Desafios das funções essenciais e das redes integradas na região em debate

Após a conferência de Ernesto Báscolo, Eduardo Melo abriu a sessão de comentários destacando elementos centrais da apresentação. Segundo ele, o Marco de Transformação dos Sistemas de Saúde apresentado por Báscolo constitui não apenas uma referência analítica, mas também um guia para orientar ações concretas de diferentes atores comprometidos com a efetivação do direito à saúde. Ele enfatizou, especialmente, a importância atribuída às barreiras organizacionais de acesso, que revelam desigualdades estruturais e condicionantes sociais historicamente reforçados em muitos países da região.

Eduardo também ressaltou o caráter inovador da atualização das Funções Essenciais da Saúde Pública e a utilidade dos parâmetros de avaliação desenvolvidos pela Opas, que permitem tanto comparações entre países quanto autoavaliação institucional. Para ele, o novo marco das Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS) representa um avanço ao conectar dimensões sistêmicas, capacidades institucionais e processos de transformação digital.

O vice-diretor chamou atenção ainda para a necessidade de compreender como essas diferentes agendas, Funções Essenciais, RISS, transformação digital e APS, se articulam no território, onde se expressam as condições materiais, os desafios e as forças políticas que moldam as possibilidades reais de mudança.

Na rodada de debate, representantes de instituições da Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Costa Rica, Cuba e Paraguai trouxeram reflexões sobre governança, organização das redes, formação em saúde e os desafios atuais dos sistemas da região. As falas enfatizaram a importância de articular diferentes redes e iniciativas regionais, bem como de incorporar a transformação digital como instrumento capaz de induzir mudanças, e não de reproduzir fragmentações já existentes. Também foram feitas críticas ao predomínio do modelo biomédico na formação profissional, apontando sua distância em relação a uma perspectiva latino-americana orientada pelos determinantes e pela determinação social da saúde. Os participantes compartilharam ainda experiências nacionais sobre atenção primária, territorialização e participação social, reforçando que os processos formativos precisam responder às necessidades reais dos sistemas públicos e promover competências interprofissionais.

Por fim, Báscolo dialogou com as questões levantadas, reconhecendo tanto a diversidade de realidades presentes na região quanto a necessidade de que os marcos conceituais sejam continuamente revisados e reconstruídos de forma coletiva, considerando as especificidades de cada contexto.

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