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Pesquisador fala sobre as vacinas anti-Covid-19 disponíveis no Brasil.

26/03/2021
Eduardo Costa

Por Joyce Enzler

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 214 vacinas estão sendo produzidas no mundo. Dessas, 52 foram testadas em humanos. Enquanto cientistas tentam parar a escalada rápida da Covid-19 no planeta, alguns governantes e empresários pensam no lucro que as vacinas podem dar material ou eleitoralmente, jogando o conceito de saúde universal com equidade na lata de lixo da História.

 

Passamos por um momento crítico, onde perdemos mais de dois milhões de seres humanos no planeta por causa da Covid-19, porém, em um lugar marcado por fome e violência, parece que a maioria da população se acostumou com a necropolítica, naturalizando as mortes que chegam antes da hora, arrastando principalmente idosos, pobres e negros.

 

Para conversar sobre vacinas, cooperação entre os países ou a falta dela, RESPAL convidou o epidemiologista Eduardo de Azeredo Costa. Com larga experiência no currículo, foi secretário de Saúde do Governo Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, entre 1983 e 1986 e Secretário Nacional de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde 2015/6 no Governo Dilma Rousseff; formado em Medicina; mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e doutor em epidemiologia pela Universidade de Londres. Eduardo Costa é professor titular aposentado do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (DEMQS/ENSP/Fiocruz).

 

A entrevista consistiu de perguntas respondidas por escrito pelo professor Eduardo Costa em 28/02/2021 para divulgação na Rede de Escolas de Saúde Pública da América Latina – RESP-AL.

 

RESP-AL: Em qual contexto foram criadas as vacinas contra a Covid-19? Porque elas são confiáveis, mesmo produzidas em tempo recorde?

 

Eduardo Costa: Penso que é importante discutir a primeira parte da pergunta mirando, em particular, a história pré-Covid-19 do empenho científico para controlar doenças com potencial pandêmico nesse século 21, sem me deter na grande questão política do pós-11 de setembro e da alta concentração de esforços para detectar possíveis agentes que poderiam ser usados como armas biológicas. Vou separar minha resposta em duas partes para responder ambas as perguntas:

 

1.a) A Covid-19 nos reservou várias surpresas bem ruins, especialmente ao demonstrar a vulnerabilidade do controle sanitário frente à destruição ambiental planetária, por causa de algumas circunstâncias e características da doença. Uma delas foi o fato que nos últimos 20 anos dois outros coronavírus, antes confinados apenas a animais, saltaram para a transmissão inter-humanos. No primeiro surto, agora chamado de SARS-CoV1 (síndrome respiratória severa aguda por coronavírus, identificado em 2003), foram realizadas muitas pesquisas básicas com esse vírus, porém, como tinha baixa infectividade, houve controle apenas com medidas de vigilância epidemiológica.

 

Depois ocorreu a epidemia de MERS-CoV (síndrome respiratória do Oriente Médio por coronavírus, isolado em 2012). Nesse caso, as pesquisas foram realizadas para o desenvolvimento de vacinas. No entanto, nem chegaram a ser aplicadas porque a doença também foi controlada com medidas de vigilância sanitária. A isso somou-se a reaparição de outro vírus, o Ebola na África, para o qual houve esforços e financiamento  internacionais para a produção de vacinas, que também não chegaram a ser usadas, pois ocorreu a contenção do vírus  apenas com normas epidemiológicas.

 

 

Outro fator importante foi a agilidade dos cientistas. Quando a estrutura genética do vírus, manifestado em Wuhan, provocando doenças com características de SARS, foi rapidamente identificada em dezembro de 2019 como novo coronavírus, o seu código genético foi distribuído para todos os laboratórios importantes do mundo no dia 10 de janeiro de 2020.

 

E por fim a identificação da chave do RNA, estrutura simples do vírus para a penetração nas células, a proteína S (de spike, espícula) permitiriam a quase imediata produção de testes diagnósticos e, o melhor, facilidade para buscar uma vacina específica.

 

 

A isso é necessário somar que a ameaça causada por esse vírus levou a altos investimentos, mal coordenados, mas que arrecadaram centenas de bilhões de dólares de fundos públicos e de doadores privados visando seu desenvolvimento.

 

 

 

“Precisamos escolher as vacinas com menos reatogenicidade e com capacidade de neutralizar as novas variantes”

 

 

 

1.b) A questão da confiabilidade das vacinas é um pouco mais complexa. Essas vacinas, de modo geral, estão sendo aprovadas face à gravidade da epidemia, fazendo com que órgãos reguladores cedam em algumas de suas exigências, por isso alguns caminhos abreviaram seu tempo de aprovação. Todavia, toda essa agilidade é para ser aplicada somente na situação de emergência sanitária em que vivemos. O que é bem razoável, mas exige acompanhamento de efeitos adversos mais cuidadosos na chamada fase IV dos estudos clínicos (pós-comercialização).

 

No entanto, muitos estudos não permitiram convicções mais amplas, por falhas, algumas sérias, de metodologia utilizada na fase III, ou porque essa foi muito curta. Ou ainda porque seus protocolos não cobriram grupos etários importantes, como poucos idosos e nenhuma criança. Apesar disso, várias vacinas estão sendo administradas e exigidas pelas pessoas e por governos para descomprimirem a tensão política, econômica e sanitária, com forte influência da mídia que serve a interesses de grandes companhias que, mesmo investindo poucos recursos, exigem lucros fantásticos para sua venda na hora em que são mais necessárias - a lei draconiana da oferta e procura. Sem pudor humanitário.

 

Com a pressa, a sociedade fica impossibilitada de escolher melhores vacinas, especialmente no que se refere a sua reatogenicidade (reação adversa) e a sua capacidade de neutralizar as novas variantes, ainda não muito bem definidas, em relação a sua infectividade e gravidade, bem como a sua suscetibilidade à ação da imunidade celular e humoral (anticorpos que circulam para parte líquida do sangue) provocada pelas vacinas já em uso.

 

 

De fato, quase todas as vacinas utilizadas visam à neutralização da proteína S. Qualquer variante que não altere a mesma não preocupará. O mais relevante é que a modificação nas mesmas poderá prejudicar a proteção ou inviabilizar a sua penetração celular e o vírus desaparecer quase por encanto.

 

 

As vacinas de vírus completo provavelmente serão as que sobreviverão a mutações, mas as demais terão que alterar seu IFA (princípio ativo) para incorporar novas sequências da proteína S. Portanto, como não foram feitos estudos para que, com a mesma metodologia, pudéssemos comparar as várias vacinas estamos submetidos à influência das notícias veiculadas pelas empresas que as produzem. Isso é uma falha monumental da atividade que cabia à OMS. A cooperação foi muito limitada. Prevaleceu assim, a concorrência, competição, especialmente no mundo ocidental.

 

 

RESP-AL: Quais os tipos de vacina à disposição dos vários países?

 

Eduardo Costa: No quadro abaixo, estão listadas as vacinas disponíveis. Mas a pergunta admite uma nuance sobre o que é ter ‘à disposição’. Os fatores que as distribuem no mundo estão muito afastados de suas características intrínsecas: a da saúde como um direito universal. Pelo contrário, são decorrentes da força do mercado farmacêutico e de recursos financeiros de países e populações. Tudo funcionando ao contrário do que, desde a Declaração dos Direitos do Homem da ONU, consideramos minimamente justo. Representa um retrato do neoliberalismo atuando sobre países e instituições internacionais há três décadas.

 

RESP-AL: No Brasil, quais as vacinas disponíveis? Qual a mais eficaz e que apresenta menos reação alérgica?

 

Eduardo Costa: Vou dividir em três a resposta a essa questão, pois, apesar de só termos duas disponíveis no momento, há iniciativas para inclusão de outras:

 

3.a) No momento, temos duas vacinas disponíveis no Brasil. Uma resultante da iniciativa do Instituto Butantan do Estado de São Paulo de efetivar acordo preliminar com a empresa Sinovac da China, anunciada em 11 de junho de 2020 pelo Governador João Dória, e outra da Fiocruz, com o apoio do Governo Federal, anunciada em 26 de junho de 2020 com a empresa AstraZeneca da Inglaterra/Suécia. Houve previsão de transferência tecnológica e produção nacional para as duas. 

 

 

Até o momento, temos apenas a vacina do Butantan sendo utilizada, já que a da Fiocruz, por não recebimento dos insumos previstos, está importando a do Serum Institute da Índia, também em acordo com a AstraZeneca. Porém, a principal diferença é produzir internamente a matéria-prima, desde o início, sem depender do envio da empresa.

 

 

A dose da vacina AZ/Fiocruz custou três dólares e 20 centavos, pagando adiantado 30 milhões de doses, ainda em 2020. Essas condições se mantêm para outras 70 milhões previamente contratadas (não reembolsáveis por desistência ou fracasso). E as que estão sendo importadas, são pagas separadamente a preço superior a cinco dólares por dose ao Serum Institute.

 

 

Parece evidente que a produção de IFA prevista para ser feita na Bélgica fracassou, e a deslocada para a China não cobre o total contratado no mundo, provocando o atraso no início da produção da Fiocruz. Note-se que esta não tem direito à exportação da vacina da AstraZeneca para os países latino-americanos, enquanto o Butantan/SP assegurou essa atividade para a Coronavac.

 

 

No México, formou-se um consórcio entre a fundação do empresário mexicano Carlos Slim e a farmacêutica AstraZeneca para produzir o IFA na Argentina – sendo a formulação final e envase feito em laboratório mexicano – para fornecer aos demais países latino-americanos, exceto o Brasil. O preço final ficará entre três e quatro dólares, estando prevista para esse ano a produção de 150 a 250 milhões de doses.

 

 

 

“As vacinas são úteis. Esperamos em breve poder medir o impacto que estão produzindo”

 

 

3.b) Há no entanto vacinas que agora estão sendo aprovadas para uso no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de forma bastante flexível, depois de uma tentativa frustrada de tentar complicar a aprovação da Coronavac do Butantan. Entre elas, estão a Sputnik V desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia e a Covaxin da empresa Bharat Biotech da Índia (preço de 15 dólares por dose).Também há pressão da Pfizer (17 dólares por dose) e da Johnson para que sejam adquiridas pelo Governo Federal, ao mesmo tempo em que está sob a mira popular e midiática por mais vacinas e mais agilidade no processo, dado o recrudescimento epidêmico e a crise econômica e social que o Brasil atravessa.

 

 

3.c) Mas, a sua pergunta se referia também à comparação entre essas duas vacinas em uso no Brasil, com respeito a eficácia e reações adversas. É difícil responder baseando-se apenas nos resultados dos ensaios clínicos com essas vacinas. Os estudos foram diferentes em muitos aspectos, mas para a eficácia a questão principal é que o screening (rastreamento), para os casos que viessem a acontecer nos grupos vacinados e controles, tinha definição muito diferente.  No estudo da AstraZeneca, no Brasil e Reino Unido, as pessoas a serem testadas precisavam apresentar um de quatro sintomas, febre (pelo menos 37,8 C), tosse, fôlego curto e perda de cheiro ou paladar.  No do Butantan, no Brasil, além destes, eram testados também os que apresentassem outros sintomas inclusive vômitos e diarreia. Para entender como isso influencia o resultado, é preciso ter em mente que a inclusão de sintomas, pouquíssimos associados ou não associados à infecção pelo SARS-CoV-2, não só aumenta a detecção de casos em vacinados, como em não vacinados (que sem eles no screenning seriam assintomáticos não detectados), diminuindo a eficácia medida na vacina (pode-se assim calcular o risco relativo).

 

 

Adicionalmente o que ocorre é melhor entendido com a visão de que a imunização produz um shift (deslocamento) da distribuição de casos segundo sua gravidade (pode-se usar a classificação de casos da OMS). Assim, se ela não é 100% eficaz, inclusive para formas assintomáticas (como em geral as vacinas não são), uma parte dos casos que seriam graves ou moderados tornam-se leves; os leves, levíssimos e os levíssimos, assintomáticos. Deste modo, em consequência, os resultados informados à Anvisa pelo Butantan mostram um gradiente de eficácia interessante: 100% (não significante pelo pequeno número de ocorrências) para casos moderados e graves – que precisam hospitalização;  78% (significante) para casos leves, moderados ou graves, que procuram atenção médica e 50% para os levíssimos, que não requerem atenção médica. Em relação a essa vacina, tem sido apontado que a resposta imunogênica é mais baixa do que a das vacinas baseadas só na proteína S. Isto não surpreende muito em função de que os antígenos usados nos testes procuram detectar os anticorpos apenas para a proteína S e a vantagem das vacinas completas seria a de ampliar o espectro imunogênico.

 

 

 

Já a análise da eficácia da vacina da Astrazeneca é muito mais complicada devido às abusivas mudanças em seu protocolo (em depoimento, voluntária disse que precisou assinar múltiplos consentimentos toda vez que havia uma alteração nos procedimentos) e comparações nitidamente inadequadas na análise estatística, não prevista nos protocolos.

 

Se eu fosse contrastar as duas vacinas do modo que me parece mais comparável, a vacina da AstraZeneca teria 62% de eficácia (duas doses completas como era o protocolo correto) para casos leves, moderados e graves e 90% para casos moderados e graves. Não é uma grande diferença, porque estruturalmente ambas têm o mesmo antígeno: a proteína S, ainda que possuam outros componentes diferentes – proteínas do vetor no caso da Astrazeneca e proteínas do coronavírus da Butantan/Sinovac. E nessas está a mais provável diferença na reatogenicidade.

 

De qualquer modo, é difícil comparar a reatogenicidade das duas frente ao protocolo dos estudos, em especial, na questão dos controles. Esse grupo, chamado controle no ensaio clínico, na vacina do Butantan, foi injetado com uma solução de alúmen, na concentração que é adicionada à vacina para sua composição final. A razão dessa decisão é que o alúmen costuma tornar a vacina mais dolorida ao injetar. Assim, o voluntário não desconfia se tomou o medicamento ou o placebo, isto significa que a situação cega é mantida. No entanto, no caso das AstraZeneca, além de terem acrescentado no protocolo o uso de paracetamol na vacinação, não é fácil entender porque o grupo controle foi vacinado com a meningocócica conjugada ACW Y.

 

Essa vacina tem reatogenicidade alta em adultos. Daí não surpreender que os números de reações graves tenham sido quase iguais entre os dois grupos de comparação. E mesmo assim esse estudo foi pausado três vezes em função de reações muito graves, a ponto de o FDA, órgão americano equivalente à Anvisa, não autorizar a continuação do estudo nos Estados Unidos. Portanto, não surpreenderá se essa vacina apresentar algumas situações muito graves, como foi noticiado que ocorreu em Manaus. Isto pode estar associado ao estranhamento com sequências proteicas do vetor remanescentes na vacina (adenovírus de chimpanzé). Se assim for, será mais frequente na segunda dose, todavia ainda tolerável coletivamente dada a gravidade da Covid-19.

 

Em resumo, creio que a AstraZeneca, talvez confiante na marca Oxford de seu antígeno, cuidou mais dos negócios e aspectos jurídicos do que da qualidade de seus estudos clínicos, sacrificados por querer ganhar tempo e se adiantar a outras. Também se descuidou de seus aspectos industriais, procurando agora justificativas técnicas para aumentar o intervalo entre as doses.

 

Ambas, no entanto, estão sendo igualmente úteis nesse início de combate à Covid-19 no Brasil. Esperamos em breve poder medir o impacto que estão produzindo. Porém, não me furto a dizer que devíamos ter concentrado o uso da Coronavac nos idosos, porque temos a evidência de que é menos reatogênica e de eficácia melhor demonstrada nos estudos de fase III.

 

 

 

RESP-AL: O Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19 não poderia ser mais uniforme, como ter uma única vacina, a que fosse menos reatogênica?

 

Eduardo Costa: A pergunta é interessante. Com a capacidade produtiva do Butantan, da Fiocruz e de alguns laboratórios públicos e privados seria possível concentrar a produção na Coronavac, por exemplo, que tem tecnologia mais simples e historicamente sedimentada, mas os conflitos que o governo federal brasileiro estimula e alimenta tornaram essa possibilidade impossível, inviável. Do mesmo modo, as iniciativas de estudos clínicos, no país, de várias vacinas candidatas estrangeiras não foram suficientes para que as instituições, com densidade epidemiológica e sanitária brasileira, sugerissem estudos comparativos entre tais vacinas para saber quais as melhores e mais acessíveis.

 

 

RESP-AL: Os países da América Latina e do Caribe estão atrasados na vacinação da população, com exceção de Cuba, que está produzindo localmente. Além da falta de recursos, quais os problemas que você identifica? Acha viável uma maior cooperação entre eles?

 

Eduardo Costa: A vacina de Cuba, Soberana 2, está iniciando agora sua fase clínica III, ou seja, ainda não iniciou a vacinação geral. A sua capacidade produtiva divulgada seria na ordem de 100 milhões de doses, muito mais do que Cuba precisa. Seria muito oportuno um estudo comparando a Coronavac e a Soberana 2, no Brasil, pois poderia dispensar o uso de controles não vacinados.

 

A Argentina e a Venezuela estão apostando também na vacina russa, a Sputnik V. E já falamos do arranjo da AstraZeneca com países latino-americanos. Não estamos mais integrados aos vizinhos do continente nessa pandemia, principalmente pela onda direitista e golpista que assolou a região nesses anos de gestão Trump, que acabou com a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

           

Além disso, o Brasil, em especial, se tornou um desastre em suas relações na região. Percebo agora uma integração maior periférica em processo, especialmente depois da derrota de Trump e da vitória de forças democráticas na Bolívia e Equador. Na área da saúde, algumas boas iniciativas podem avançar mais. Além da situação econômica e social de nossos países, as derrotas sanitárias nos unem e acabam com arrogâncias e o tom professoral. O ambiente deve ficar melhor se quisermos avançar na luta comum dos povos latino-americanos contra o imperialismo econômico e cultural.

 

 

 

RESP-AL: O Instituto Butantan completou 120 anos em 23 de fevereiro e a Fiocruz completará 121 anos em 25 de maio. O Brasil comprovou que tem expertise, competência e seriedade na área científica. Por que não há o investimento governamental necessário? A sociedade tem percepção disso?

 

Eduardo Costa: Não sou um cientista ufanista. Nosso desenvolvimento científico ficou muito mais dependente depois de 1964. A partir de 1990, o país jogou fora sua memória e se preparou para o neoliberalismo, adotando tudo que azeitaria as novas práticas. Há 30 anos, o Brasil desindustrializa-se e, portanto, não há onde inovar para o consumo de massa de que precisamos. Vivemos do agronegócio e da atividade extrativa e achamos mais fácil importar quase tudo, porque temos superavit comercial. Estamos desmontando e vendendo em fatias a Petrobrás. E principalmente nos lixamos para a educação. Somos um dos poucos países do mundo que gastam mais em saúde do que educação, por exemplo. Na pandemia, fechamos as escolas dos pobres e abrimos os shoppings.

 

 

Entrevista de 28/02/2021.

Revisão para edição de 05/03/2021.

Eduardo de Azeredo Costa – edu.costa@live.com

 

QUADRO I -  COMPARAÇÃO ENTRE AS VACINAS PARA A COVID-19*

I.i - Vírus inteiro inativado.

Usadas há mais de cem anos. Exs. raiva, tétano, difteria, Salk, etc. Seguras. Várias em uso emergencial como as da estatal Sinopharma. No Brasil duas listadas a seguir.

 Sinovac 

“Coronavac”

______________

Bharat-Biotech

“Covaxin”

 

Cultivo em células de laboratório. Tratamento para inativação. Adjuvante alúmen. 2 doses.

Inst. Butantan

Gov. São Paulo.

________________

Interesse privado na aquisição.

Na China 50 mil pessoas com 2,6% de reações leves. Conserva em 2-8oC. Eficácia de 50 a 78%.           _________

Na India fase 3 : 23 mil voluntários

I.a – Vírus inteiro atenuado.

Usadas há muito tempo. Imunidade duradoura. (febre amarela, Sabin)

Há vacinas sendo desenvolvidas.

 

 

Nenhuma iniciou testes clínicos.

II. Vetor modificado geneticamente “expressa” antígeno viral.

Já em uso há décadas com vetor bacteriano ou fúngico para produzir antígeno do vírus da hepatite B (conhecidas como recombinantes).

A partir de vacinas desenvolvidas para Ebola e MERS (SARS-CoV-1) foram usados vetores virais que atacam células do sistema respiratório. O processo de utilizar virus como vetor é recente.

Novavax

“Covoxax”

Vetor bacilovirus. Replica através de cél. de inseto.

Sem acordo Brasil. Filipinas está associada.

Tecnologia já em uso (recomb).  Iniciou fase 3 no final de dez/2020.

CanSino

 

Vetor Ad5 (Humano).

2 doses

Sem acordo Brasil.

 

Jansen-Cilag

Vetor Ad26 (Humano).

1 dose (adotou uma dose para abreviar estudo)

Sem acordo Brasil.    Fase 3 incluiu brasileiros.

Eficácia preliminar fase 3 para casos moderados e graves de 66%.

Gamaleya

“Sputnik V"

Vetores Ad5 e Ad26

2 doses, cada uma com vetor diferente da outra

Instituto TecPar

Gov. Paraná./

União Química

Eficácia publicada de 91,6% com uso da forma liquida (-18o C), mas pode ser usada liofilizada.

AstraZeneca

(ChAdOx1)***

Vetor Adch (chimpanzé)

2 doses

BioM/Fiocruz

Min. da Saúde.

Eficácia Geral de 62%. Grupo de + de 55 anos subrepresentado no estudo.

III. Ácido Nucleico:

Vários modos de se obter o mDNA ou mRNA por manipulação genética.**

O mRNA provoca a produção de antígeno nas células humanas e  consequentemente a resposta imune. Nunca utilizadas antes e só agora testadas em humanos pela situação pandêmica.

Pfizer-Biontech

Precisa ser estocada a

-700 centígrados.

2 doses

Sem acordo prévio. Fase 3 incluiu Brasil.

Eficácia preliminar de 95%.

Reações anafiláticas em 1,1/100.000 vacinados.

Moderna

Usou adenovírus humano não replicante para criar o mRNA.Precisa ser estocada a -200 centígrados.

Sem acordo com o Brasil. Não testada no Brasil.

Eficácia preliminar de 94%.

Reações gerais aumentam na segunda dose. (10%)

IV. Frações antigênicas do germen.

 

O uso de frações antigênicas é antigo. As vacinas polisacárides para meningite A e C foram largamente usadas a partir da década de 1970.

Há várias em desenvolvimento, como a cubana Soberana

Proteínas ou peptídeos da capa do vírus. Há vacinas ditas ocas, peptídicas ou ainda virus-like particles (VLP)

Cuba divulgou acordo Suíça.

Início fase 3.

No Brasil, o Laboratório de Imunologia da USP estuda uma peptídica.

 

*Revisão EAC de 05.02.2021. **Essa tecnologia pode ser precursora para alvos como certos tipos de câncer; para vírus DNA ainda não se obteve resultado animador. ***Serum Institute produz na India como “Covishield”.