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Pesquisadoras, estudantes e lideranças enfrentam Covid-19 nas favelas

 

Foto: Leo Salo 

 

Por Joyce Enzler

Em meio ao abandono de muitos anos, as favelas enfrentam um embate maior agora, contra a provável contaminação acelerada de uma parte da população, pelo coronavírus. Como executar as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) de distanciamento social, passar álcool gel, lavar bem as mãos com sabão, com falta de água, em becos apertados, com escassez de recursos e sem saneamento básico?

As favelas e periferias, vítimas da falta de políticas públicas, lutam de todas as maneiras pelo direito de sobreviver ao vírus e ao tiro. Em meio a uma pandemia, atualmente são os corpos pobres e negros que mais tombam por Covid-19, se não chegar antes o braço armado do Estado. Felizmente, temos uma rede de solidariedade para mostrar que uma parte da sociedade brasileira é justa e pensa coletivamente.

Pesquisadores, comunicadores, agentes de saúde, lideranças comunitárias e coletivos se unem com o objetivo de minimizar os efeitos de uma pandemia em locais que o poder público avaliza como apartados da cidade: sem direitos básicos, entretanto com o dever de carregar o país nas costas. Desses lugares saem geralmente os trabalhadores mais explorados, os que estão na informalidade e os desempregados. Os que fazem parte da estatística da necropolítica e que são mortos por vírus, balas, desmoronamentos, enchentes e outras doenças evitáveis.

Para refletir sobre essas vidas negligenciadas e sobre o aprofundamento das desigualdades na pandemia, a RESP-AL cria a série Pandemia nas favelas e periferias: um prognóstico político e se propõe a dialogar com profissionais de diversas áreas, lideranças e ativistas que tecem análises sobre passado e presente do Rio de Janeiro, enquanto tentam evitar que o futuro seja um poço sem fundo. 

Neste primeiro capítulo da série, fizemos uma longa matéria de estreia. Para isto, conversamos com a arquiteta social Tainá de Paula; as pesquisadoras da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/FIOCRUZ), Silvana Granado e Jussara Angelo, e as lideranças comunitárias Fábio Monteiro e Jorge Nadais. Além disso, entrevistamos as pesquisadoras da Fiocruz Sonia Fleury e Mariana Nogueira.

 

 

Distanciamento social, moradias populares e água

 

As péssimas condições de vida na maioria das favelas podem acelerar a disseminação do coronavírus, segundo a arquiteta social, Tainá de Paula, levando a uma preocupação com a circulação de pessoas e a garantia do isolamento social. “Outra medida essencial seria o acesso universal à água,  garantia maior de higienização em meio à pandemia”, afirmou.

 

Em um ambiente de carências, a população que vive nas favelas conta muitas vezes apenas com seu esforço e a solidariedade de amigos e ativistas. Em favelas como Alemão e Cidade de Deus no Rio de Janeiro, e Paraisópolis, em São Paulo, essas populações montaram seus gabinetes de crise e criaram uma estrutura para suprir os direitos básicos que lhes são negados, como alimentação, água e informação. 

Segundo Tainá, os moradores podem fazer o distanciamento  social e garantir as condições de higiene de suas residências, “mas é fundamental que eles fiscalizem as ações do poder público na garantia do conjunto de espaços públicos, no caso de condomínios, vilas e favelas”, enfatizou. Para ela, as ações de mutirão de limpeza e sanitização são fundamentais para o controle da curva de crescimento do contágio por coronavírus.

Ainda em relação à higiene das residências e a garantia da salubridade dos imóveis, para Tainá é necessário que haja ventilação em todos os cômodos, principalmente naqueles em que há moradores contaminados ou com suspeita de contaminação. Para isso, torna-se fundamental disponibilizar pontos de água separados para a higiene dos alimentos e das mãos, assim como a boa limpeza das áreas úmidas com água sanitária e outros produtos de limpeza.

Lembrando que antes de enfrentar a pandemia, a cidade do Rio de Janeiro conviveu com a crise da água, agora esquecida por uma crise sanitária maior e mais letal. Cientistas, jornalistas e campanhas publicitárias indicam lavar as mãos com sabão, mas a maior parte das favelas e periferias do Rio de Janeiro não possui abastecimento de água suficiente. Acrescente-se que há dúvidas se a questão do tratamento da água foi efetivamente solucionado. A Fiocruz realizou estudo em esgoto do Estado do Rio e detectou o vírus Sars-CoV-2. A possibilidade de contágio é pequena, mas fica o alerta sobre o pouco cuidado que os governantes têm com o tratamento e o fornecimento de água para população.  

 

“Há um grande debate a ser feito sobre habitação de interesse social no Brasil”

 

De acordo com Tainá, é urgente reforçar a importância do poder público e principalmente das concessionárias fornecedoras de água potável no combate à covid-19, a fim de evitar a interrupção de fornecimento de água para assentamentos precários e áreas periféricas.

Além da água, outro problema grave da população de menor poder aquisitivo é habitação. Recentemente, houve a experiência do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), com alguns imóveis pequenos, inviáveis para famílias grandes; todavia, é necessário reforçar que antes pelo menos havia algum projeto para atender outro direito fundamental do indivíduo, como consta no Artigo 6º da Constituição, o da moradia. 

Entretanto, o Brasil, especialmente a cidade do Rio de Janeiro, já foi o habitat de construções populares que viraram referências arquitetônicas e artísticas, como o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como Pedregulho. Localizado em Benfica e construído na década de 1940, o projeto do arquiteto Affonso Eduardo Reidy  é reconhecido como um ícone da habitação popular no mundo.

 “Existe um grande debate a ser feito sobre habitação de interesse social no Brasil. O MCMV foi um programa de sustentabilidade econômica, não um programa de moradia digna”, destacou Tainá. Para ela, mesmo havendo a transferência de terra e propriedade, a homogeneidade dos tipos de unidade e a localização dos imóveis foram verdadeiros entraves ao debate da boa arquitetura e do direito à cidade. O modelo de desenvolvimentismo do Brasil, que foi replicado pelos governos petistas, não rompe com problemáticas históricas do mercado da construção civil: processos licitatórios, ausência do controle do preço da terra, descolamento com o debate de qualidade urbana e moradia.

Para Tainá, é preciso discutir dois grandes temas quando o mote é moradia: o estoque construído, como qualificar as unidades construídas e identificar o que não deveria  existir (risco, insalubridade etc.); e a tipologia da moradia brasileira – conjuntos habitacionais, hotéis populares, vilas residenciais e a produção de mais modos de habitar.

Arquivo pessoal

 

Criada em uma das favelas da Praça Seca, na zona Oeste do Rio de Janeiro, Tainá de Paula é arquiteta e urbanista, feminista interseccional e mãe.

Especialista em Patrimônio Cultural pela Fundação Oswaldo Cruz e Mestre em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisou a requalificação de áreas subutilizadas da cidade e a ocupação desigual de territórios.

Tainá é assessora técnica do Movimento de Trabalhadores Sem Terra do Rio de Janeiro e coordena o projeto Brasil Cidades.

 

Campanhas Solidariedade em Manguinhos – Silvana Granado

Em um cenário devastado pelo descaso e as várias formas de violência praticadas pelo Estado, os moradores só podem contar com eles mesmos e com ações solidárias vindas de pessoas que muitas vezes eles desconhecem. A pandemia desnudou a imagem positiva que o país tinha no mundo, mostrando que os governantes não vêm do espaço, são sujeitos sociais  que agem e refletem uma parte da sociedade. Será que somos ou fomos algum dia gentis, solidários, coletivos, o Homem Cordial imortalizado por Sérgio Buarque de Holanda?

Uma parte é solidária e se vê como parte de uma coletividade maior, outra, majoritária, oscila entre a solidariedade e o individualismo, que desconfia do Estado e acredita que cada um pode criar seu destino, e uma outra parte é ressentida, preconceituosa, hostil ao Estado, entretanto ao mesmo tempo exige que este seja benevolente ao salvar as grandes empresas.

As considerações acima são esquemáticas, mas servem para situar os atores sociais. Finalizando este introito, esclareçamos que o cordial a que se refere o historiador Buarque de Holanda não é o bondoso, o afável e sim o que decide pela emoção, mais do que pela razão. Decide pelo coração.

 

Por participarem do campo dos que se preocupam com o outro, as pesquisadoras da ENSP/Fiocruz criaram a campanha Solidariedade em Manguinhos. Silvana Granado contou que, passando por Manguinhos, ao retornar de um dia na Fiocruz, já no período da pandemia, viu os lavadores de carro todos vazios. Então, pensou em como essas pessoas, que vivem de trabalhos informais, sobreviveriam nesse período.

 

“Como pedir que lavem as mãos se não terão o que comer? Joguei a ideia de fazer algo para ajudar no meu grupo de pesquisa e no grupo de mulheres da Fiocruz, onde Jussara Angelo respondeu que haviam discutido isso no colegiado de pesquisa da ENSP. Então, decidimos unir forças e iniciar esta tarefa.” Rapidamente, outras mulheres aderiram, além de alunos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), da pós-graduação, alguns de fora da Fiocruz, o que tem ajudado bastante na comunicação com possíveis colaboradores.  

 

Segundo Silvana, a Fiocruz mantém uma relação positiva e pacífica com seu entorno, prestando atendimento no Centro de Saúde, oferecendo cursos noturnos na Escola Politécnica e emprego aos moradores. No entanto, ela acha que muito mais poderia ser feito, o que obriga a, mais adiante, aprofundar a discussão. “Até onde podemos ir sem intervir no papel do estado e do município? Todavia ver a miséria do conforto da minha sala sempre me incomodou muito. É muito complexo.”

 

Ela espera que o saldo seja positivo após o fim da crise sanitária e econômica que o país e o mundo atravessam. Deseja que o Sistema Único de Saúde (SUS) saia mais poderoso e que fique nítido o desastre caso não existisse um sistema gratuito de saúde. Também acredita que as pessoas deveriam aproveitar essa fase para repensar suas ações e não priorizar os prejuízos econômicos, esquecendo-se do mal que estamos fazendo ao planeta, aos animais e, especialmente, aos humanos mais vulneráveis. “Do que importa tanta riqueza nas mãos de tão poucos? Como disse a filha do presidente do Santander em Portugal, do que adiantou a família ser milionária e o pai morrer com falta de algo que é de graça, o ar?”, indagou Silvana.

 

 

Para ela, ficar distante uns dos outros nos dá a real dimensão do quanto não valorizamos estar com amigos e parentes. Nesse cenário, algumas questões ficaram evidentes: “A riqueza vem do trabalhador, é ele que produz o capital para seu patrão; armas não matam vírus e a ciência é fundamental.” Conclui afirmando que não adiantam fortunas sem o conhecimento e a tecnologia adequada para produzir equipamentos, medicamentos e vacinas, nos casos de pandemia.

 

Arquivo pessoal

 

Docente e pesquisadora do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em saúde, Silvana Granado atua em pesquisas na área materno-infantil e  desigualdades sociais em saúde. Atual coordenadora do Mestrado Profissional em Vigilância em Saúde e Coordenadora adjunto da Pesquisa Nascer no Brasil. 

 

Campanha Solidariedade em Manguinhos – Jussara Angelo

 

A pesquisadora da ENSP/Fiocruz, Jussara Angelo, detalhou que a campanha surgiu no grupo de WhatsApp 8M - Mulheres da Fiocruz, criado para mobilizar as trabalhadoras da Fiocruz para a marcha do Dia Internacional de luta das Mulheres, em março, no Centro do Rio de Janeiro. Ela contou que a Vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da ENSP/Fiocruz, Sheila Mendonça, trouxe a preocupação que os impactos econômicos poderiam trazer para o distanciamento social da comunidade de Manguinhos, então  Jussara se prontificou em pensar alguma coisa. No dia seguinte, Silvana Granado postou no grupo 8M que iria levar alimentos para doação na ENSP, várias mulheres se interessaram em participar e assim começou a campanha. Então, montaram o grupo de WhatsApp Solidariedade em Manguinhos.

 

Após a formação do grupo, elas começaram a discutir como organizar a vaquinha, grande parte nem se conhecia pessoalmente e muitas eram inexperientes em organizar ação solidária, mas a campanha tomou uma proporção muito maior do que idealizavam inicialmente. “Preparamos uma arte para divulgação e disparamos no grupo. Imagina 150 mulheres divulgando isso nas redes! Em quatro dias arrecadamos 24 mil reais. E essa dimensão toda se deve ao grupo 8M”.

 

Segundo Jussara, 35 pessoas, em sua maioria mulheres, atuam na campanha. Dessas, 10 pessoas só na parte de publicidade e assessoria de imprensa. “Nem todas são funcionárias da Instituição. A campanha extrapolou os muros do Castelo”. Outra preocupação do grupo foi dar continuidade à campanha, porque tudo indicava que o distanciamento social no Brasil seria longo, portanto não poderia ser uma ação pontual. “Então, fizemos uma convocatória e apareceram vários voluntários. A campanha tem sido um momento de encontro com pessoas legais e dispostas a doar seu tempo e conhecimento. Temos aprendido muito uns com os outros.”

 

Jussara explicou que a equipe da campanha se aproximou das lideranças comunitárias para discutir as necessidades dos moradores de Manguinhos e os critérios para priorizar a doação, pois infelizmente não tem como contemplar todos os vulneráveis. A distribuição é realizada por lideranças comunitárias e entidades, como Mães de Manguinhos, Minas da Bola, Ballet Manguinhos, Rede CCAP Manguinhos, Estratégia Saúde da Família e Levante da Juventude. Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) são utilizados por quem participa da distribuição de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde. 

 

De acordo com Jussara, desde o dia 30 de março, data da primeira arrecadação, a campanha entregou em média 200 cestas e kits a cada 15 dias. Ao todo já foram distribuídas 660 cestas básicas e 660 kits de produtos de higiene, todas com um informativo sobre cuidados para evitar a disseminação da doença. Além disso, a campanha recebeu doação de máscaras de acetato (40 unidades) doadas pelo Laboratório de Design da PUC-Rio, “repassamos ao Centro de Saúde da ENSP/Fiocruz e também 90  kits de máscaras de tecido que foram doadas por uma costureira autônoma e distribuídas aos moradores de Manguinhos. Vale registrar que ainda contamos com o apoio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN).”

 

Jussara acredita que o papel dos trabalhadores da Fiocruz é fortalecer a luta desses coletivos, dar visibilidade aos problemas da comunidade e apoiá-los. “Nesse momento, a nossa luta é exigir que o distanciamento social venha acompanhado de políticas que apoiem os trabalhadores informais que estão sem renda”. Para ela, sem assegurar o mínimo de recursos que garantam a dignidade humana, não é possível pedir distanciamento social. Não pode ser uma opção morrer de covid-19 ou de fome.

A pesquisadora ainda ressaltou que antes desta iniciativa solidária começar esses coletivos já estavam organizados com suas ações. As lideranças comunitárias que participam da campanha são mulheres extremamente fortes e articuladas que lutam para que suas comunidades tenham melhores condições de vida. “O que temos feito é apoiar as lutas delas. Esta é uma campanha feita por mulheres e para mulheres, mas, que tem dado suporte a muitas famílias.”

Para Jussara, não é apenas uma crise sanitária, é sistêmica. “Não consigo vislumbrar como será pós-pandemia, como iremos nos reorganizar, mas eu gostaria que o mundo fosse marcado por mudanças estruturais na organização socioespacial da nossa sociedade, em que as redes de solidariedade se tornassem mais fortes do que as redes de produção e que conseguíssemos  construir um modo de produção em que o centro do mundo fosse a vida e a defesa da dignidade humana”, concluiu.

 

Arquivo pessoal

 

Graduada em Geografia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2006), com mestrado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (2008) e doutorado em Ciência do Sistema Terrestre pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2015), Jussara Angelo tem experiência na área Geografia da Saúde trabalhando com indicadores socioambientais e doenças infecciosas. Atualmente é Pesquisadora em Saúde Pública no Departamento de Endemias Samuel Pessoa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/FIOCRUZ).

Como colaborar

Você pode colaborar divulgando a campanha ou realizando doações:

Brasil: https://linktr.ee/solidariedade_em_manguinhos

Campanha internacional: https://www.gofundme.com/f/solidarity-in-manguinhoslink

Facebook:  www.facebook.com/solidariedadeemmanguinhos

Instagram: www.instagram.com/solidariedade_em_manguinhos/

 

Para acompanhar a prestação de contas

Link: https://drive.google.com/drive/folders/1zAiXOl7fOFcISb3yW8swHWSrBOX-N9aN 

Link encurtado: http://encurtador.com.br/eoAB8  

 

 

Campanha Manguinhos Solidário – Fabio Monteiro

Diante da ausência de programas sociais governamentais, resta aos moradores muita solidariedade.  Manguinhos dispõe de duas campanhas intensas e contínuas nessa pandemia. Elas distribuem centenas de cestas básicas e kits de higiene mensalmente. As lideranças lamentam não atender a todos os que precisam, mas seguem no trabalho duro e voluntário de divulgação, arrecadação, distribuição.

Ao mesmo tempo, milhões de pessoas não tiveram opção e se aglomeraram por um auxílio emergencial de 600 reais, concedido após muita pressão dos parlamentares. Como resultado da falta de projeto para assistir aos mais vulneráveis no distanciamento social, o país atinge marcas vergonhosas: mais de 50 mil óbitos, mais de 50 milhões de pessoas precisaram do auxílio emergencial e o número de desempregados aumentou em 10,8% somente de na semana de 24 a 30 de maio, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Nesta conjuntura, coube à população tomar a iniciativa. Fabio Monteiro, morador de Manguinhos, funcionário da Cooperação Social da Fiocruz e integrante da Comissão de Agentes Comunitários de Saúde de Manguinhos (Comacs), explicou que a campanha Manguinhos Solidário nasceu da necessidade da favela se organizar durante as enchentes que castigaram a comunidade. Os órgãos públicos responsáveis não apareceram. Então, como havia muitas pessoas afetadas pelas inundações, os coletivos de Manguinhos, como a Comacs, o Conselho Comunitário de Manguinhos, a Ong Mulheres de Atitude (OMA), Recriando Manguinhos, a igreja São Daniel Profeta e a capela de São Jerônimo Emiliani , em Varginha, uniram-se para criar a campanha SOS Manguinhos

De acordo com Fabio, os coletivos compreenderam a relevância da campanha, que durou quase um mês, e também contou com o apoio da Asfoc, que cedeu um carro para entregar as doações. A ação coletiva fez com que alguns percebessem a necessidade de se manter organizados; nomearam a ação de Manguinhos Solidário, porque, caso precisassem, em uma nova enchente, já estariam estruturados e poderiam agir de maneira mais ágil. Fabio ressalta que os coletivos não querem substituir o Estado, fazem apenas uma campanha emergencial, “porque essa é a função dele, só que o Estado não apareceu nem antes, nem durante, nem depois”, constatou.

 

Agora, Fabio deparou com uma nova tragédia que arrasou a favela, a pandemia do coronavírus. Reativou-se a campanha  Manguinhos Solidário para atender as vítimas da omissão do governo federal. Segundo Fabio, muitas famílias já estavam em situação difícil antes, devido à crise econômica, sem emprego e realizando serviços precários. A pandemia agravou tudo. “Por isso, estamos tentando suprir mais uma vez a ausência do Estado para amenizar um pouco o sofrimento das pessoas através do trabalho e da solidariedade dos coletivos”, observou Fabio.

 

 

Fiocruz – um castelo da ciência e as favelas em Manguinhos

 

 

Fabio destaca que as favelas não estão no entorno da Fiocruz, por exemplo, “Existe servidor que está na Fiocruz e às vezes fala assim ‘Ah, eu vou a Manguinhos fazer uma pesquisa!’. Entretanto, essa pessoa já está em Manguinhos. A Fiocruz faz parte desse território”. Fabio afirmou que a Fiocruz está dentro das favelas, pois em uma entrada tem Manguinhos; de um lado Varginha; do outro Amorim; na outra, a Avenida Brasil, a Maré, o Conjunto Esperança, Vila do João. Então a Fiocruz faz parte desse território.

 

Enquanto na Fiocruz não há esgoto a céu aberto, “as ruas estão asfaltadas, existe segurança e saúde de qualidade, 50 metros depois dos muros da Fiocruz encontramos o caos”. Fabio compreende que não cabe à Fiocruz trazer o saneamento básico, mas poderia ser o elo entre as comunidades  e o poder público. “A contribuição da Fiocruz transformaria Manguinhos.”        

 

Comunicação Popular prevenindo e promovendo saúde

 

Fabio explicou também a relevância da criação do Portal Favelas contra o Coronavírus: por lideranças e comunicadores comunitários de várias favelas e que conta com o apoio de especialistas da Fiocruz. O portal objetiva informar à população de maneira adequada a sua realidade. “Não adianta o Ministério de Saúde avisar que deve usar álcool em gel, se a maioria dos moradores não tem condições de comprá-lo. Não adianta um órgão público orientar para lavar as mãos com água e sabão se na favela não tem água”, relatou.

De acordo com Fabio, este grupo adaptou as informações para a realidade dos moradores das favelas, além de fazer com que ela chegasse a um número maior de pessoas, através de cartazes, carros de som, megafones.  Ele também citou a campanha de comunicação Se liga no Corona, em parceria com a Fiocruz,  que acolheu o método de comunicar e difundir a informação realizado pelos comunicadores populares. “Nós auxiliamos na criação de cards, de vídeos e dos áudios para moto e carro de som que irão rodar dentro das favelas. Trabalhamos na linha de redução de danos, orientamos os moradores com água que dividam com aqueles que não têm”, explicou.

Arquivo pessoal

 

Fabio Monteiro cursa Engenharia Ambiental e Sanitária na Universidade Estácio de Sá (Unesa – RJ);trabalha na Cooperação Social da Presidência/Fiocruz; Conselheiro de Saúde e Ambiente no Conselho gestor Intersetorial (CGI);integrante da Comacs Manguinhos e do Conselho Comunitário de Manguinhos.

 

 

 

 

Campanha Manguinhos Solidário – Jorge Nadais

 

No meio da entrevista, o Agente Comunitário de Saúde (ACS), morador de Manguinhos e membro da Comacs, Jorge Nadais, perdeu a sua tia para a Covid-19. Após um exaustivo dia de trabalho ele se junta a Fabio e outras lideranças para difundir informações sobre saúde em Manguinhos e distribuir cestas básicas. Estava bastante abatido porque além da sua tia quase todo dia experiencia vidas serem levadas pela Covid-19.

Segundo Jorge, os profissionais de saúde de Manguinhos atuam na linha de frente no combate ao coronavírus. A Atenção Básica é uma das principais portas de entrada para que a pessoa recorra em caso de suspeita de contaminação de Covid-19, Jorge compara o trabalho desses profissionais, nesse momento, a uma trincheira de guerra, “nós mudamos toda a nossa rotina, interrompemos em parte o acompanhamento das linhas de cuidado para tentar dar conta dessa missão. Infelizmente, houve um processo anterior de desmonte da Atenção Primária e da Rede Secundária o que dificulta muito a nossa ação", analisou.

Esse sucateamento da saúde pública no Brasil colaborou com o processo de adoecimento da população e dos profissionais de saúde, nesta pandemia, porque há escassez de EPIs, de insumos, de recursos humanos.   “Mais de 30 mil profissionais de saúde foram infectados pelo coronavírus, no Brasil. Isso pode indicar desde a má utilização do EPI ou sua má qualidade, até o cansaço pela sobrecarga de serviço. Estamos operando com deficit de recursos humanos, milhares de profissionais foram demitidos nestes últimos anos”, constatou Jorge.

Para Jorge, nesse estado atual, a maior contribuição que a Fundação Oswaldo Cruz pode oferecer à favela é trabalhar junto aos meios oficiais para qualificação da informação e produção de conhecimento dentro da favela, promover projetos voltados para educação popular, possibilitando a população local o acesso à ciência e à produção científica. “A Fiocruz precisa quebrar os muros do castelo e atuar mais no interior da comunidade, procurando dar voz aos anseios dessa população”, propôs Jorge.

Leia também as entrevistas com as pesquisadoras da Fiocruz Sonia Fleury e Mariana Nogueira.

 

Jorge Nadais é bacharel em direito pela UFF, Agente Comunitário de Saúde e membro da Comacs-Manguinhos.

 

 

 

 

Arquivo página Manguinhos Solidário -  Fabio Monteiro, Jorge Nadais e lideranças se preparando para ações de solidariedade nas favelas

 

Como colaborar: Página Campanha Manguinhos Solidário

 

Informações sobre Covid-19 nas favelas:

Portal Favelas contra o Coronavírus;

Página Favelas contra o Coronavírus;

Campanha de Comunicação Se liga no Corona,

 

Arquivo página Manguinhos Solidário – compras chegando

 

 

 

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