Clima político e relação entre público e privado despontam como pontos críticos da saúde pública na América Latina
Semelhanças e particularidades, caminhos e barreiras. O que há em comum e o que diferencia os sistemas de saúde dos países da América Latina? Quais são seus principais desafios atualmente? Nesta terça-feira (17/10), o curso-oficina ‘Estratégia Escola de Governo em Saúde’ ofereceu algumas respostas a essas perguntas. Durante a manhã, no auditório térreo da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), representantes da Argentina, do Chile e da Costa Rica apresentaram os sistemas de saúde de seus países na mesa ‘Sistemas de Saúde na América Latina: Experiências, Tendências e Desafios’. A atividade foi transmitida pelo canal da Rede de Escolas e Centro Formadores em Saúde Pública da América Latina (RESP-AL) no Youtube.
Participaram da sessão o Diretor da Escuela de Gobierno en Salud "Floreal Ferrara" - Argentina, Mario Rovere, a Diretora da Escuela de Salud Pública de la Universidad de Costa Rica, Gabriela Murillo, e o Diretor da Escuela de Salud Pública Universidad de Chile, Óscar Arteaga. Os três destacaram o contexto político-econômico dos países e como os sistemas de saúde se relacionam com os diferentes cenários. Em todos os casos, a relação entre organizações públicas e privadas foi ressaltada como um ponto crítico. Associado a essa questão, outro desafio comum aos países evidenciado durante as apresentações é a desigualdade social. As análises sobre os sistemas de saúde latino-americanos e seus desafios contemporâneos passaram também pelas mudanças globais e a insegurança alimentar.
Após explicar a divisão do sistema de saúde argentino em três grandes subsetores (público, privado e previdenciário), Mario Rovere ressaltou uma característica importante e alarmante que envolve os recursos humanos da saúde. A possibilidade de atuar nos diferentes subsetores tem levado profissionais, como enfermeiros, por exemplo, a acumularem até mais do que 60 horas de trabalho por semana. “Na Argentina, a garantia de que a qualidade da saúde pública não ultrapasse um certo nível é o multiemprego”, criticou Rovere ao se referir à pressão exercida pela iniciativa privada sobre o sistema.
Ao destacar a pequena extensão territorial da Costa Rica, Gabriela Murillo apresentou os principais dados epidemiológicos do país, as tendências de envelhecimento da população, informações sobre a desigualdade social e outros aspectos importantes para contextualizar o ambiente no qual se insere o sistema de saúde costarriquenho. Ela destacou que há também duas estruturas, a pública e a privada, e mostrou que há dificuldades para manter toda a população dentro dos princípios de seguridade social no país. Atualmente, segundo Murillo, é a Caixa Costarriquenha de Seguridade Social que financia o sistema.
Óscar Arteaga detalhou as etapas que o Chile percorreu ao longo de sua história recente até estabelecer seu sistema de saúde atual, que tem em sua raiz uma forte relação com a prestação de serviço ao trabalhador. O país tem como principal estruturador o Sistema Nacional de Serviços de Saúde (SNSS), constituído pelo Fundo Nacional de Saúde (FONASA), que representa a saúde pública do país, e as Instituições de Saúde Previsional (ISAPREs), o setor privado. Atualmente, o Chile vive um processo de reforma constitucional, no qual há grandes entraves para mudanças que fortaleçam a saúde pública, devido à força que os movimentos de direita e extrema direita têm demonstrado. A apresentação de Arteaga, fez uma forte referência ao clima instável no caminho para reformular o contrato social chileno. Portanto, explicitou os impactos, negativos ou positivos, que os processos políticos causam na estrutura da saúde de um país.
A mesa teve a coordenação do vice-diretor da Escola de Governo em Saúde da ENSP, Eduardo Melo, e contou ainda com a participação da vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado, como debatedora. “Foram apresentações muito interessantes. Nós, brasileiros, conhecemos pouco sobre os sistemas de saúde dos outros países da região. São sistemas diferentes com problemas semelhantes, o que demonstra que são problemas estruturais. Os sistemas são fragmentados e segmentados. Há muitas desigualdades, grandes desafios para a expansão de cobertura”, comentou. A vice-presidente destacou a relação entre os âmbitos público e privado da saúde como uma “situação crítica”. Ela questionou como se pode conter o crescimento do sistema privado ao refletir sobre o desafio que é, para um governo progressista, fortalecer a saúde pública e manter a governabilidade em meio às pressões políticas do mercado.
Na mesa de abertura do evento internacional, o diretor da ENSP, Marco Menezes, afirmou que o momento atual é “muito particular”, pois a saúde pública nunca esteve tão em evidência. “A pandemia de covid-19, somada às crises sociais, climáticas, econômicas e políticos têm resultado em severos impactos sobre a saúde das pessoas, em especial das mais vulneráveis. Destaco a luta internacional para enfrentamento das desigualdades sociais e, como prioridade, o enfrentamento às emergências e mudanças climáticas, e suas relações com a saúde pública”. Para Marco, nesse contexto, é muito importante a articulação entre as instituições de formação dos sanitaristas da América Latina. O diretor aproveitou o evento internacional para fazer um alerta sobre o desrespeito aos Direitos Humanos que marcam o conflito que ocorre em territórios palestino e israelense. “Estamos aqui hoje para falar sobre saúde pública, a vida, as relações institucionais, fundamentalmente das relações do Sul Global, e temos que falar do que está acontecendo hoje no Oriente Médio. É algo inaceitável do ponto de vista humanitário. O Brasil tem feito todos os esforços diplomáticos para cessar os ataques, para que haja um corredor humanitário na Faixa de Gaza, como também se manifestou a Federação Mundial de Associações de Saúde Pública (WFPHA)”, defendeu.
A atividade foi organizada pela secretaria executiva da Rede de Escolas e Centros de Formação em Saúde Pública Ibero-Americana (RESP-IA), em parceria com a Rede de Escolas e Centro Formadores em Saúde Pública da América Latina (RESP-AL) e apoio da Secretaría-Geral Ibero-Americana (Segib) e da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid). A ENSP conduz a Secretaria Executiva de ambas as redes.
Sobre as Redes de Escolas Centros de Formação em Saúde Pública Ibero-americana e da América Latina
Lançada em fevereiro de 2021, a Rede de Escolas e Centros de Formação em Saúde Pública Ibero-Americana (RESP-IA) tem como missão fortalecer o ensino, a investigação e a parceria com a comunidade nas áreas da Saúde Pública, em prol da melhoria das condições de vida e da saúde da população ibero-americana, indo ao encontro dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Tem como objetivos fortalecer a formação e a investigação científica; gerar e difundir informação e conhecimento; desenvolver o intercâmbio, a cooperação e a formação; promover a gestão da qualidade do ensino; assim como propor e executar projetos de desenvolvimento comunitário e políticas públicas de saúde.
Criada em 2019, a Rede de Escolas e Centro Formadores em Saúde Pública da América Latina (RESP-AL) é dedicada ao fortalecimento das capacidades regionais de formação em Saúde Pública, e tem por objetivo o fortalecimento das capacidades formativas em Saúde Pública e das estratégias de qualificação profissional na região, buscando contribuir para a melhoria dos sistemas nacionais de saúde, o atendimento das necessidades da população e a integração regional no campo da saúde.
Assista ao evento do dia 17/10 na íntegra:
https://www.youtube.com/embed/nshmwUoeHtw?si=uNNBH6qEZTkCLhXv
O evento teve um segundo dia de atividades, no qual foram realizadas apresentações sobre a Estratégia Escola de Governo em Saúde de quatro países latino-americanos, assim como seus aspectos institucionais/organizacionais, articulação com os sistemas de saúde, linhas de ação, experiências mais marcantes e desafios. Na tarde dos dois dias, houve oficinas de trabalho, abordando temas como cooperação técnica, pesquisas, formação, desafios emergentes e trabalho cooperativo em rede. A atividade foi restrita aos membros da RESP e convidados.
Assista à mesa do dia 18/10:
https://www.youtube.com/embed/BdYjz8-Sdxg?si=pxhyAxpqyOHTJja7
Por Informe ENSP
Texto: Barbara Souza
Fotos: Virginia Damas