No dia 11 de junho, terça-feira, a Rede de Escolas de Saúde Pública da América Latina (RESP) promoveu o webinário "Saúde Mental Comunitária na América Latina".
A primeira mesa teve como tema "Construindo saúde mental na Atenção Primária: uma experiência na Argentina". A palestra foi ministrada pelas professoras e pesquisadoras do Instituto de Saúde Juan Lazarte (Universidade Nacional de Rosario/ Argentina) e integrantes da Rede Latino-Americana e Caribenha de Direitos Humanos e Saúde Mental, Cecilia Augsburger e Sandra Gerlero.
A segunda mesa contou com o debate sobre a experiência da saúde mental comunitária no Peru, com a participação do diretor executivo de Saúde Mental do Ministério da Saúde do Peru, Yuri Cutipé.
O evento teve como mediadora a professora da Universidade Federal da Bahia, Mônica Nunes.
Na abertura, Eduardo Melo, da Secretaria Executiva da RESP, falou sobre a estrutura de organização da rede de escolas de saúde e sobre a importância de abordar o tema da saúde mental: "Todos sabemos que esse tema, há muito tempo, é extremamente estratégico, sensível, um tema que é atravessado por diferentes forças, pelo modo de vida contemporâneo, pelas desigualdades que são grandes no Brasil e na América Latina, assim como também é atravessado por toda uma discussão sobre direitos humanos, e ao mesmo tempo todos sentimos que sobretudo a partir da pandemia essa temática ganhou uma dimensão mais ampla", afirma.
A mediadora do evento, a professora Mônica Nunes, ressalta a importância da troca de informações e experiências que as redes de escola de saúde promovem: "Para nós é muito importante continuar alimentando a Rede Latino-Americana para entendermos o que se passa em cada país em termos da saúde mental comunitária". Mônica Nunes também ressalta alguns aspectos que perpassam a discussão que envolve a saúde mental, destacando que o racismo, o patriarcado, as diferenças de classes sociais e o etarismo contribuem com o sofrimento psicológico de quem procura a atenção primária em busca de tratamento: "A abordagem adotada pelos profissionais da saúde que atuam na atenção primária deve ser sensível à aceitação do sofrimento psicológico que estão expressando as pessoas que buscam essa atenção, significando uma oportunidade relevante para interceder junto a problemas que, na maioria dos casos, não chegarão a outros níveis de atenção. Uma relação de escuta atenta e interessada das necessidades clínicas mas também sociais e emocionais dos usuários e usuárias, assim como uma abertura para entender o seu contexto sócio-cultural, são aspectos dessa atenção que podem conduzir a uma atuação mais integral e resolutiva", conclui.
A professora e pesquisadora Cecilia Augsburger apresenta alguns elementos do processo de reforma do campo da saúde mental na Argentina, com enfoque na atenção primária. Cecilia conta que um dos seus trabalhos é mostrar a saúde mental como um objeto dinâmico e complexo, um objeto que não concentra um único olhar nem uma única perspectiva: "O campo da saúde mental recupera perspectivas de abordagens institucionais diferentes, recupera a composição e o aporte de múltiplos saberes, incorpora uma diversidade de práticas que se instalam em cada um dos territórios de maneira heterogênea e esse campo também define ações de intervenção com diferentes ênfases, de proteção da saúde mental, proteção de direitos, de promoção, de prevenção, de atenção e de cuidado, para permitir o suporte e para que as pessoas com problemas de saúde mental vivam nos seus espaços sociais, os espaços a que pertencem". Cecilia mostra que as mudanças instauradas na Argentina, na maneira de cuidar e tratar os pacientes do campo da saúde mental, acompanharam o contexto de reforma internacional. Nesse sentido, o marco normativo nacional assume algumas responsabilidades: proteger os direitos das pessoas com sofrimentos mentais, definir novos procedimentos para a proteção desses direitos e organizar diretrizes básicas de uma política nacional de saúde pública. Na sua apresentação, a professora e pesquisadora apresenta a Lei Nacional de Saúde Mental 26.657/10, muito importante para o campo, cujo objetivo é assegurar o direito à proteção da saúde mental e o tratamento de pacientes através da atenção primária.
Cecilia Augsburger salienta que, apesar do momento político difícil que a Argentina enfrenta, os profissionais que atuam na área da saúde mental mantiveram sua posição de ativismo social e de participação política e que muitas foram as conquistas no processo de reforma da saúde mental no país, com destaque para o Plano Nacional de Saúde Mental e Consumos Problemáticos (2023 - 2027). Segundo Cecilia, é nesse plano que se confirma a necessidade da atenção primária nos cuidados com os pacientes e que eles sejam atendidos nos espaços comunitários e nos seus territórios.
Já a professora e pesquisadora Sandra Gerlero, também da Argentina, compartilhou uma experiência concreta de trabalho com um grupo social particular: os adolescentes. Desse trabalho com jovens, foi produzido um documento chamado "Orientações para a primeira escuta em saúde mental e o acompanhamento de adolescentes na atenção primária". Sobre o documento, diz a professora: "É um guia, uma estratégia de trabalho destinada às equipes de trabalhadores da área da saúde mental e ao conjunto de trabalhadores das políticas sociais do nosso país. E pressupõe criar uma estratégia de ação de alcance nacional, que possa ser implementada em todos os lugares do nosso território. Aborda problemas vinculados à saúde mental comunitária em uma população específica: a população adolescente". Sandra entende que é necessário um plano específico para esse grupo social, levando em conta a multiplicidade e reconhecendo que se trata de uma população muito heterogênea, com códigos culturais diversos, muito diferente entre si (de acordo com o território que habita) e formações familiares muito distintas.
Ainda sobre esse grupo, Sandra alerta que, mesmo que os adolescentes possuam uma baixa demanda dos cuidados da saúde mental, essa demanda, que é baixa, não corresponde a uma escassez de necessidades específicas, uma vez que os jovens, por conta das suas experiências de vida, apresentam uma certa condição de fragilidade e vulnerabilidade. Nesse sentido, a professora explica que "a primeira escuta" se trata de um dispositivo de encontro para falar sobre os problemas e das condições vinculadas à saúde mental. Esses encontros ocorrem nos Centros de Atenção Primária que, segundo Sandra, garantem uma série de vantagens: "A instalação desse dispositivo de escuta nos Centros de Atenção Primária, que atuam como um lugar privilegiado do primeiro contato e garantem a continuidade no cuidado da saúde. Por outro lado, também se trata de um compromisso com a diversidade e multiplicidade de atores sociais das comunidades em que se encontram os Centros de Atenção Primária".
Ao fim da sua palestra, Sandra Gerlero destaca algumas situações que levam os adolescentes a desenvolver o sofrimento psicológico. Dentre elas, estão: o consumo problemático de substâncias, a discriminação de gênero e diversidades sexuais, e a ruptura com referências familiares. E também revela quatro conceitos-chaves na intervenção em saúde mental de adolescentes na atenção primária: acolher, cuidar, acompanhar e orientar.
A palestra de Yuri Cutipé, médico e diretor executivo de Saúde Mental do Ministério da Saúde do Peru, apresentou o desenvolvimento dos serviços de saúde mental comunitária no sistema de saúde pública do seu país.
Yuri começa falando sobre os serviços de saúde mental antes da reforma, que estabeleceu o modelo da saúde mental comunitária. Segundo o médico, antes da reforma, o que o Peru tinha a oferecer, em termos de tratamento, eram os hospitais psiquiátricos, concentrados basicamente na capital, Lima: "Era um modelo de reclusão, de desenraizamento social e familiar, e obviamente muito centrado nos sintomas e não na recuperação", avalia.
Segundo o médico, o contexto social em que se desenvolve a reforma no campo da saúde mental é um contexto bem específico: logo após o período de violência política e terrorista, que atravessou a década de 1980 até os anos 2000. Era o período da volta da democracia, da luta pelos direitos e pelas reformas do Estado; um momento em que todos os setores impulsionam suas reformas. Em termos econômicos, representou uma época de crescimento: "A partir dos anos 2000, houve um crescimento econômico importante, que favoreceu essas reformas, não especialmente na saúde, mas tentando atender às demandas de uma classe média que surgia e pedia por educação e saúde de qualidade", explica. Junto ao crescimento econômico, estava em curso a reforma da política de financiamento estatal, baseada no financiamento por resultados.
Yuri Cutipé esclarece que a reforma da atenção em saúde mental aconteceu de maneira lenta e gradativa, com diversas políticas implementadas ao longo dos anos 2000. As conquistas alcançadas estão em um documento chamado "Avanços e Desafios da Reforma de Saúde Mental no Peru no último decênio", elaborado em 2023 pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). A publicação oferece um balanço executivo do caminho percorrido para a implementação da reforma e é voltada para as autoridades sanitárias e de outros setores, mas também para o público em geral.
Entre os avanços obtidos com a reforma do campo da saúde mental, encontra-se o modelo de serviços territorializados, com a criação dos Centros de Saúde Mental Comunitária: "A partir dessa conquista, devidamente estabelecida, o modelo do Centro de Saúde Mental Comunitária atende às diferentes características das populações (crianças, jovens e adultos), e a atenção também é focada em pessoas com problemas de consumo de álcool". Outra característica importante desses Centros de Saúde Mental Comunitária é a participação e mobilização da população que mora no entorno desses centros. De acordo com Yuri, a participação popular é essencial para gerar toda a dinâmica de promoção da saúde nos seus territórios.
Um dado importante sobre os Centros de Saúde Mental Comunitária diz respeito à sua implementação: em 2014, não havia nenhum modelo desse serviço; em 2023, o Peru já conta com 276 Centros de Saúde Mental Comunitária espalhados pelo país. Uma característica fundamental para um trabalho de qualidade nos Centros de Saúde Mental Comunitária são as equipes multidisciplinares, compostas por psicólogos, psiquiatras, médicos da família, terapeutas ocupacionais, farmacêuticos e profissionais da Enfermagem.
Terminando sua apresentação, Yuri Cutipé aponta alguns desafios a serem enfrentados para maior eficiência do atendimento: fortalecer os serviços de saúde mental comunitária que têm sido implementados, ampliar o acesso aos serviços de saúde mental comunitária das populações mais vulneráveis, aumentar a oferta de serviços de saúde mental, com adequação digital em cada território, estimular a participação comunitária, intensificando a articulação com a comunidade organizada, e promover a ativação do Conselho Nacional de Saúde Mental.
Para assistir ao webinário na íntegra, acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=kLwI2TewXI0